quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Cidades do GPL: Reims

A GPL Brasil aos poucos vai chegando em seus momentos decisivos nesta 8ª Temporada. Prestes a realizar sua nona etapa de um total de 14 previstas, a liga aproveita o embalo de apenas uma semana de descanso e continua a mirar suas atenções em terras francesas. Depois de descobrirmos as particularidades, histórias e curiosidades de Rouen, agora é hora de chegarmos ao nosso próximo palco: Reims.
Não muito distante de nossa visita anterior, a comuna de Reims fica localizada também ao norte da França, distante 129 km da capital Paris. Como de praxe na divisão territorial do país, Reims pertence ao departamento de Marne, com este, por sua vez, incluído na região administrativa de Champanha-Ardenas. Exemplificando, seria como a divisão encontrada no Brasil, onde as comunas se equivalem às cidades, os departamentos de equivalem aos estados e as regiões são semelhantes às regiões que encontramos por aqui. A única diferença é que na França há uma fragmentação (bem) maior, uma vez que existem 100 departamentos e 26 regiões.
Mas voltando ao assunto principal, Reims - assim como boa parte da história francesa - possui um passado de milênios. No longínquo ano de 80 a.C., a agora comuna foi fundada com o nome Durocorteron e servia na época como a capital da tribo de Remi, esta de origem belga que havia ocupado a região no século I anterior à Cristo. Daí vem a origem do nome Reims que seria logo implantando, uma espécie de eco do nome da tribo. Ainda no mesmo século, a conquista da região de Gaul por Júlio César e suas tropas romanas fizeram com que os Remi se aliassem a eles, dando cara assim a um poder agora imperial.
Com o passar do tempo, o Cristianismo começou a se estabelecer na cidade. O consul Jovinus, um grande intelectual da época, passou a repudiar e expulsar os bárbaros da região que haviam invadido Champanha no século IV. No entanto, no século seguinte Átila, o Huno, atacou diversas cidades da Gália, inclusive matando o bispo de Nicásio, morto na igreja de Reims. Tais ataques acabaram gerando a chamada Batalha dos Campos Cataláunicos.
A Catedral de Notre-Dame é o principal ponto turístico de Reims
Pelos vários séculos seguintes, Reims passou a sede dos locais de coroação dos reis da dinastia dos Capetos, como Hugo Capeto, Filipe IV, Luís X, entre outros. A partir do Século X, Reims passou a se tornar um grande centro da cultura intelectual, a partir da fundação de escolas que promoviam os ensinamentos das artes liberais.
Ao longo dos anos, Reims viu a passagem de vários reis franceses. Nesse período chegou a ser cedida para os ingleses, mas foi recuperada pelos patriotas franceses na aproximação liderada por Joana d'Arc.
As invasões ocorridas em 1814, na Guerra da Sexta Coalisão, resultaram na capturação da comuna pelas forças aliadas anti-napoleônicas. No entano, quase 60 anos depois, a vitória dos alemães na Guerra Franco-Prussiana tornou o território um reduto governamental ariano.
 Assim como a catedral, a Basílica de St. Remi é outro símbolo religioso da comuna de mais de 2 mil anos de existência
A Primeira Guerra Mundial deixou um rastro de destruição na cidade. O bombardeio e fogo alemão avariou severamente a emblemática catedral de Reims, cuja imagem seria usada depois como propaganda anti-alemãs usadas na França, por conta da agressividade germânica contra muitos patrimônios culturais franceses. Anos mais tarde, a Segunda Guerra Mundial trouxe ainda mais danos às construções de Reims, embora tenham sido menores que os da batalha anterior.
Desde então, a comuna passou por um período de relativa calmaria, concentrando imediatamente seus esforços em recuperar seus monumentos parcialmente ou quase completamente destruídos. Atualmente, estes patrimônios fazem de Reims um local visado pelos turistas, ávidos pela visitação a lugares emblemáticos como a lendária Catedral de Notre-Dame de Reims, o Palácio de Tau, a Basílica de Santo Remi, entre tantas outras igrejas, fortes e praças que valorizam a tradição milenar da região.
Quando o assunto é bebida (e boa), não há como fugir de Reims. Juntamente com Épernay e Ay, a comuna é considerada um dos grandes centros da produção de campanhe no país, inclusive com muitas casas-produtoras de renome tendo suas sedes estabelecidas na comuna.
 O Stade de Reims é um tradicional clube de futebol francês, que venceu campeonatos nacionais nas décadas de 50 e 60
Já no âmbito esportivo, há uma clara tradição nas competições automobilísticas. O circuito de Reims-Gueux foi palco de diversas edições do Grande Prêmio de Marne entre as décadas de 30 e 60, inclusive sediando etapas do GP da França de F1. O traçado de altíssima velocidade usava fragmentos de estradas públicas nos arredores da comuna de Reims.
Além do automobilismo, Reims também não esconde a paixão pelo futebol. O Stade de Reims, clube local, atualmente disputa a terceira divisão francesa, longe dos tempos de glórias dos anos 50 e 60, mas que ainda atrai muitos torcedores. Também, desde 1984, a cidade sedia a Maratona de Reims, que inclusive já foi vencida pelo brasileiro Vanderlei Cordeiro de Lima, em 1994. Reims também é terra natal do jogador de futebol Robert Pirès, peresente na conquista da Copa de 1998 e ídolo do Arsenal e do Villareal.
Como podemos ver, história e orgulho não devem faltar para os quase 190 mil habitantes de Reims.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um pouco de história: Rouen-Les-Essarts

A França, sem sombra de dúvidas, é um dos principais palcos do automobilismo mundial. Revelou verdadeiros gênios ao volante, como o multicampeão Alain Prost, entre outros grandes nomes das corridas, como Didier Pironi, Jacques Laffite, François Cevert e Jean Alesi. Também possui equipes de história e prestígio, como Renault e Ligier. E, por tabela, circuitos emblemáticos e que carregam consigo histórias inesquecíveis, como Le Mans Sarthe, Pau, Paul Ricard, Reims, Dijon-Prenois e mais uma proção deles que seguramente não caberiam nos dedos de duas mãos.
Entre tantos palcos ilustres da terra de Zidane, um deles não poderia faltar. Rouen-Les-Essarts é a verdadeira descrição do que é chamado de circuito que "separa os homens dos meninos". Imprevisível, perigoso, desafiador. Todos esses predicados fazem do traçado francês figurinha carimbada quando o assunto é desafio ao volante.

Rouen em seu primeiro traçado, datado de 1950
No entanto, engana-se quem pensa que o traçado está localizado na cidade que seu nome carrega. Ao contrário do que a lógica sugere, Rouen-Les-Essarts está situado em Grand-Couronne, uma pequena e pacata comuna nos arredores de Rouen. E você deve estar se perguntando: "Não fica em Rouen, fica numa comuna que não tem nada a ver com o nome do circuito...e esse Les-Essarts? O que significa isso?"
Há uma explicação. Les Essarts se trata de uma minúscula vila, também nas adjacências da região, incorporada à comuna de Grand-Couronne em 1874. Derivando daí a extensão hifenizada do nome do circuito, uma junção de Rouen e Les Essarts.
E a história da pista nos remete a um passado de 60 anos de existência. Em 1949, poucos anos depois do término do terror da Segunda Guerra Mundial, o mundo começava a voltar a reestabelecer sua rotina, incluindo nisso as atividades esportivas, como o automobilismo. Naquele ano, havia sido decidido a construção de uma nova estrada que ligaria Essarts até Orival. Partindo da oportunidade, o Automóvel Clube da Normandia (ACN) pediu a permissão para o uso da nova estrada para a realização de competições de esporte a motor. Assim que o aval foi dado, foram imediatamente iniciadas as obras de construção das áreas dos boxes, arquibancadas e paddocks.

 Uma série de obras em tempo recorde deixou Rouen pronta para receber suas primeiras competições no início dos anos 50
Após muito trabalho e com as obras prontas em um período bastante curto, o circuito de Rouen-Les-Essarts foi inaugurado (e nomeado) oficialmente pelo então presidente da ACN, Jean Savale, em 30 de julho de 1950. A data reservou também as primeiras corridas do local, entre elas o primeiro Grand Prix de Rouen, vencido pelo francês Louis Rosier, guiando um Talbot.
Nos seus primórdios, o traçado de Rouen-Les-Essarts era um pouco diferente de sua versão mais conhecida e que até hoje é eternizada no Grand Prix Legends (GPL). Por cinco anos, até 1955, a extensão da pista era de 5100 metros, mas que já chamava a atenção pela fantástica sequência inicial de curvas de média e alta velocidades em uma forte descida, sucedida por uma freada extremamente técnica, feita em curva, que levava a um apertado grampo, batizado de Nouveau Monde. Quem é adepto do GPL provavelmente considera o trecho um dos pontos mais críticos em termos de pilotagem.
Em 1955, Rouen sofreu uma mudança significativa em seu traçado. Seguindo o verdadeiro lema de "em time que está ganhando não se mexe", toda a primeira metade do circuito parmaneceu inalterada. No entanto, a pista ganhou um complemento logo após a curva Beauval. Mais obras proporcionaram uma nova seção, sendo esta de altíssima velocidade, trazendo para uma longa curva à direita (Gresil), uma grande reta que se tornou o principal ponto de ultrapassagens, seguida por uma forte freada para a inédita Scierie. Com isso, a pista passava a ter 6542 metros.

 A morte de Jo Schlesser, em 1968, afastou definitivamente a F1 do perigoso circuito
Esta configuração é considerada a mais marcante do circuito, principalmente pelo fato da versão ter recebido as máquinas da F1 entre as décadas de 50 e 60, em um total de cinco oportunidades. A primeira delas, vencida por Alberto Ascari, foi em 1952, ainda no traçado antigo. Rouen ainda abrigou a categoria nos anos de 1957, 1962, 1964 e 1968, sendo que o único piloto a triunfar nela mais de uma vez foi o norte-americano Dan Gurney, vitorioso em 1962 e 1964.
A edição de 1968, além de registrar o belga Jacky Ickx como o último vencedor da F1 em Rouen, também foi marcada pela trágica morte do francês Jo Schlesser. O heroi local, em apenas 2 voltas de corrida, escapou na Six Fréres e bateu forte em um barranco, o que levou seu Honda RA302 a ser imediatamente tomado pelas chamas, vitimando o piloto. A fatalidade culminou com o abandono da Honda da categoria, voltando somente quase 40 anos depois.

 Jacky Ickx fez prevalecer seu enorme talento sob chuva e foi o último vencedor da F1 em Rouen, no ano de 1968
Sem receber novamente a Fórmula 1, Rouen passou a sediar nos anos seguintes categorias menores, como a F2 e a F3. mesmo assim, isto não lhe espantou o rótulo de pista altamente perigosa. Em 1970, duas promessas francesas, Denis Dayan e Jean-Luc Salomon, também foram vítimas fatais das armadilhas de Rouen em um evento de Fórmula 3.
A preocupação com a segurança do circuito levou à uma série de modificações.Em 1971, como medida provisória, foram instaladas duas chicanes artificiais nas curvas Gresil e Paradis, com o intuito de reduzir a velocidade dos bólidos, que se tornavam cada vez mais potentes e violentos para as fortes exigências do traçado.
O ano seguinte trouxe uma mudança radical. A construção de uma nova autoestrada aposentou a seção de altíssima velocidade inaugurada em 1955. Com isso, a Gresil foi antecipada, sendo seguida agora por uma nova série de curvas que terminavam na Paradis, esta sendo transferida alguns metros adiante de onde se situava. A grande reta e a Scierie estavam aposentadas e, após todas essas alterações, Rouen havia sido enxugada para 5543 metros, além da adição de uma chicane logo após a primeira curva do circuito.

Cenário de uma destruição: em 1999, tudo que ainda lembrava o circuito foi colocado ao chão
O ano de 1974 trouxe a última alteração no traçado. Após a morte do piloto Gerry Birrell em uma prova de F2 no anos anterior, foi instalada uma chicane permanente na Six Fréres, local da morte de Schlesser. O circuito continuou recebendo a categoria até 1978, quando seu maior evento passou a ser a Fórmula 3 Francesa. Com o passar do tempo, Rouen foi se tornando cada vez mais perigosa e ultrapassada para as competições de esporte a motor, mesmo para os carros menos potentes.
A F3 local seguiu utilizando a pista para competições até 1993, quando finalmente resolveu interromper as atividades por lá. Foi o estopim para a morte de Rouen, que foi oficialmente fechada em 1994, por motivos econômicos e de segurança. Cinco anos mais tarde, parte da história das corridas no local sofreu uma grande perda, com a demolição das arquibancadas, boxes, sinalizações de pista e paddock. A lendária Nouveau Monde, marcante pelo seu piso semelhante à de uma calçada, foi asfaltada.

Rouen e suas variantes ao longo dos anos. Em azul, o traçado lendário, que recebeu quatro corridas de F1 e é figura carimbada até hoje no GPL (clique para ampliar)
Ainda em 1987, foi apresentado um projeto que poderia ter salvado o circuito. A nova empreitada consistia em fazer uma mudança radical na pista, a partir da utilização de um novo conjunto de seções, sob a opção de duas variantes, sendo a menor delas com 2700 metros e a maior com 4500 metros. Mas as conversas não foram adiantes e a remodelação ficou só no papel.

 A única lembrança de Rouen-Les-Essarts pode ser reconhecida pelas estradas e placas
Até hoje é possível andar normalmente com um carro convencional pelas antigas seções do traçado. Traçado que cultou gênios como Dan Gurney, Juan Manuel Fangio, Jacky Ickx, que proporcionou tragédias e tantas outras corridas memoráveis.
Um traçado que separa os homens dos meninos.