quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma história de quase 2 mil anos; uma história de lutas

Para muitos fãs do automobilismo em geral, a primeira memória que se pode ter quando se é escutado o termo "Rouen", é "daquele circuito que tem uma baita freada complicada em curva na descida" ou do "curvão longo que é um desafio fazer de pé embaixo".
Certamente, esta avaliação não deixa de ser correta, mas muitos podem desconhecer a história daquela cidade que tem em seu autódromo apenas uma página de um livro de quase 2 mil anos de fatos. Pois bem, essa é Rouen. Ou melhor, Ruão, para nossa língua portuguesa. Mas, dados os hábitos automobilísticos de sempre chamarmos o circuito de Rouen, vamos tratar aqui a cidade pela sua grafia tradicional da língua francesa.
Atualmente, Rouen é a capital da Alta Normandia e do departamento de Sena Marítimo, situada no noroeste da França. Considerada uma das cidades mais prósperas do país na idade média, hoje a histórica municipalidade representa um lugar de população relativamente moderada, com seus aproximadamente 110 mil habitantes e uma área de pouco mais de 21 km². Se não é um vilarejo quase abandonado, também não pode ser considerada uma grande metrópole.
Vista áerea de Rouen, cortada pelo Rio Sena

Apesar do aparente período de calmaria e forma discreta pelo qual a cidade atravessa nos dias atuais, a história de Rouen reserva fatos totalmente contrários. Fundada no primeiro século da nossa era (sob o nome Rotomagus), o município começou começou a se desenvolver dois séculos depois, a partir da forte presença cultural.
Rouen é uma cidade muito sofrida em sua história, dominada por invasões, guerras e tragédias. Primeiramente ao voltarmos ao século IX, quando a invasão dos vikings acabou por ligar as posses da Normandia à Inglaterra, através do duque Guilherme, o Conquistador. Quase 200 anos depois, em 1204, Roune voltaria a ser anexada à França, por Filipe II.
Os próximos séculos reservaram para a cidade momentos de tragédias e guerras, ao sofrer com a famosa Guerra dos Cem Anos e a temida peste negra, causadora da morte de milhões de pessoas. Ainda nesta ocasião, foi justamente em Rouen, após ser tomada pelos ingleses, que foi aprisionada e executada Joana d'Arc, em 30 de maio de 1431.

 A Catedral de Ruão ficou com boa parte de sua composição destruída pela brutalidade da Segunda Guerra Mundial

Felizmente, o perído renascentista reservou prosperidade para o local outrora devastado pelas tragédias. A economia teve seu desenvolvimento graças à pesca, o sal e a tecelagem, com esta última atividade inclusive gerando relações comerciais com o Brasil, já que havia um forte interesse dos comerciantes do ramo pelo pau-brasil, que proporcionava o pigmento vermelho necessário aos tecidos.
Mas o período de crescimento voltou a ter um forte retrocesso nos séculos posteriores. Pouco influenciada pela Revolução Francesa, Rouen chegou a um nível altíssimo de pobreza no século XVIII, onde dentre um total de 80 mil habitantes, 50 mil deles (!) eram considerados indigentes.
Seguindo a tendência mundial da época, a cidade passou a se industrializar no século seguinte, o que gerou a construção de fábricas de tecidos, chegada de tens, museus, teatros. Enfim, havia uma prosperidade paralela no que se refere à cultura.

 A Igreja de Saint-Maclou é mais uma das obras arquitetônicas milenares de Rouen

No entanto, a história de Rouen sofreria mais um baque, causado pela famigerada Segunda Guerra Mundial, onde a cidade foi invadida em 1940 pelas forças nazistas e bombardeada severamente, o que resultou na morte de aproximadamente 2 mil pessoas. Ela seria libertada somente quatro anos mais tarde, pelas tropas canadense. A partir daí, como em várias outras praças destruídas pela guerra, foi iniciado um processo de reconstrução da cidade.
Hoje, Rouen parece ter se livrado do passado doloroso e se configura como uma cidade tranquila, onde prevalecem as construções históricas, um centro revalorizado e livre da circulação de carros em alguns pontos. A cidade é palco de importantes pontos turísticos, como a Catedral de Ruão, a Igreja de Saint-Maclou, o jardim botânico, a universidade local e uma série de museus que ajudam a manter forte sua farta  memória bimilenar.
O automobilismo em Rouen também não se liga somente ao circuito homônimo. O piloto Philippe Étancelin foi um dos corredores do primeiro GP da história da F1, em 1950, e é até hoje o piloto mais velho a pontuar em uma corrida da categoria, ao somar - aos 53 anos de idade - 2 pontos no GP da Itália daquele mesmo ano, frutos de um 5º lugar obtido.

 A Catedral de Ruão é até hoje visitada por milhares de turistas

Além de Étancelin, o famoso jogador de futebol David Trezeguet, ídolo da Juventus e da seleção francesa nas décadas de 90 e 2000, também é um cidadão natural de Rouen.
Como podemos ver, Rouen mostra como que uma cidade, mesmo com fortes altos e baixos, pode se reerguer tantas vezes e permancer sólida por milênios. Um lugar que criou herois também dentro das pistas, mas este é um capítulo que fica reservado para nosso próximo texto.